Zero, um, dois, cinco (I), 2018. Acrílico e tinta da china sobre papel Felix Gonzalez-Torres plastificado, 98x114 cm.
Palimpsesto
1 A arte é pensamento… Antes de
ser espetáculo, antes de ser consumo, antes de ser entretenimento, antes de ser
ostentação, antes de ser testemunho, antes de ser dinheiro! E o dinheiro é
arbitrariedade. É a ditadura do número que cumpre a função de ordenar o caos
estabelecendo valor a tudo e a todos.
A unidade em confronto com a existência
do nada (1-0), a metade da unidade (5) em confronto com o dobro dela (2)
definem o rigor dos argumentos, o valor das transações e aparentam a
normalidade da natureza. Unidade, dobro ou metade são apenas conceitos
flutuantes. A relação entre a oferta e procura é dinâmica, sociabilização,
valorização e jogo.
2 Os acontecimentos artísticos da
nossa época estão repletos da vivacidade interventiva que apela, deseja e
obriga à interação do observador-utilizador com as instalações de diversas «coisas»,
quase sempre excitantes, pelas quais passamos mais ou menos confortavelmente.
Em 2007, Félix Gonzalez Torres
(1957-1997) representou os Estados Unidos na Bienal de Veneza. Como habitual as
suas instalações caracterizam-se por pilhas e pilhas de diversos objectos, aos
montes, dispostos numa espécie de canteiros do jardim das flores do consumo
contemporâneo. Os visitantes acotovelam-se vendo e colhendo, sempre que
permitido, as flores da sua sensibilidade: papéis impressos, rebuçados, bolas, fios
elétricos e lâmpadas, etc… Objetos-pretextos de estéticas relacionais,
minimalistas, conceptuais e processuais, impregnados de doses de ativismo social.
3 Tal com eles… sem saber porquê….
arbitrariamente copiando as reações dos outros… também colhi…. Untitled, 1991.
Uma imagem impressa e reproduzida até ao infinito, fora do controlo do artista,
mas sob o controlo do valor: o valor arbitrário, da matéria, do ouro, da arte.
Aqui, Untitled, 1991, serve de
suporte para o desenho de arquiteturas cotadas com o valor da unidade (1), da
metade (5) e do dobro (2), e enquadradas pela existência do nada (0). Porque se
Duchamp inscreveu bigodes na Gioconda de Da Vinci, porque não colocar o rigor
de uma arquitetura cotada sobre uma obra de Feliz Gonzalez Tores? Ironia sobre
o valor das coisas. Ironia sobre a velhice das vanguardas.
Sobre este suporte desenhámos e construímos
arquiteturas, defimos valores de cota de acordo com a nossa autoridade, saber e
conveniência.
Esses suportes, resultantes da
era de reprodutibilidade fácil em que nos encontramos, acabarão por ter uma
existência apenas conceptual. Mas quando individualizados tornam-se em coisa
única, verdadeiramente física, finalmente reabilitados para a arte e para avida.
Cumprirá à natureza definir o seu valor.
No final restam apenas os frutos
das nossas prospeções, neste caso com a ajuda da obra-ideia de Felix Gonzalez-Torres
agora transfigurada em palimpsesto.
Ilídio Salteiro, 2018
Zero, um, dois, cinco (II, 2018. Acrílico e tinta da china sobre papel Felix Gonzalez-Torres plastificado, 98x114 cm.
Palimpsest
1 Art is thought ... Before being
spectacle, before being consumption, before being entertainment, before being
ostentatious, before being testemony, before being money! And money is
arbitrary. It is the dictatorship of the number that fulfills the function of
ordering the chaos establishing value to everything and everybody
The confrontation with the life
of nothingness, 1-0, half of unity, 5, in confrontation with double of it, 2,
defines the rigor of the arguments, the value of the transactions and the
apparent normality of nature. Unit, double or half are just floating concepts.
A relationship between an offer and a socialization, valuation and play.
2 The artistic events of our time are filled
with the interventional vivacity that appeals to, desires and obliges the
interaction of the observer-user with the installations of various things that
we see and pass more or less comfortably, but of course almost always exciting.
In 2007, Félix Gonzalez Torres
(1957-1997) represented the United States at the Venice Biennale. As usual
their instalations are characterized by piles and stacks of various objects,
arranged like a kind of flower beds in the garden of contemporary consumption.
Visitors are encouraged to see and harvest, whenever allowed, the flowers of
their sensibility: printed papers, sweets, balls, electric wires and lamps,
etc: pretextile objects of relational, minimalist, conceptual and procedural
aesthetics impregnated with doses of social activism.
3 Like with them ... without knowing why ....
arbitrarily copying the reactions of others ... I also collected ....
Untitled, 1991. An image printed and reproduced to infinity, out of the control
of the artist, but under the control of value: the arbitrary value of matter,
of gold, of art.
Here, Untitled, 1991, supports
the drawing of quoted architectures with the value of unity (1), half (5) and
double (2), and framed by the existence of nothingness (0). Because, if Duchamp
inscribed mustaches on the Leonardo da Vinci's Gioconda, why not put the rigor
of a quoted architecture on a work by Feliz Gonzalez Tores? Irony about the
value of things. Irony about old age of vanguards.
On this support we have designed
and built architectures, we have defined quota values according to our
authority, knowledge and convenience.
These supports, resulting from
the age of easy reproducibility will eventually have a merely conceptual
existence. But when individualized become something unique, truly physical,
finally rehabilitated for art and for life. Nature will define its value.
In the end only the fruits of our
prospects remain, in this case with the help of Felix Gonzalez-Torres's idea
now transfigured in palimpsest.
Ilídio Salteiro, 2018
Ilídio Salteiro nasceu em Alpedriz / Alcobaça. Vive e trabalha em Lisboa e Algarve.
Licenciado em Artes Plásticas /
Pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (1979), mestre em História
da Arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa (1987), doutor em Belas-Artes Pintura na Faculdade de Belas-Artes da
Universidade de Lisboa (2006).
Artista-plástico pintor com
trinta exposições individuais desde 1979. Duas exposições a salientar recentemente
foram O Centro do Mundo, no Museu
Militar de Lisboa entre maio e setembro de 2013 e Faróis e Tempestades na Galeria da FBAUL em janeiro de 2018.
Encontra-se representado em muitas coleções publicas e particulares das quais
destacamos a Coleção da Caixa Geral de Depósitos.
Artista-curador desde 2011 com os
seguintes projetos: GAB-A, Galeria
Abertas das Belas-Artes um evento periodico com 12 edições realizadas desde
2011 envolvendo todos ao alunos da FBAUL. A
Sala da Ruth, a apresentação de uma colecção de 30 artistas portugueses na
Casa das Artes de Tavira em agosto de 2015. Evocação,
um projecto de arte contemporãnea evocativo da Grande Guerra com instalações na
Sala da Grande Guerra do Museu Militar de Lisboa de 2016 a2019. Dinheiro, projecto expositivo
internacional com o apoio da Universidade de Múrcia, do Instituto Superior de
Economia e Gestão e da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa
Professor da Área da Pintura na FBAUL.
Vice-presidente do CIEBA, Centro de Investigação e Estudo em Belas-Artes e
membro dos Conselhos Editoriais das revistas Estúdio, Croma, Gama, Matéria-Prima
e Arte Teoria.
URL:
http://salteiro.blogspot.pt/
http://www.salteiro.arte.com.pt/